Uma decisão envolvendo o ex-presidente José
Sarney (PMDB) tomada pelos cinco ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, a esfera responsável por analisar a maioria dos
processos da operação Lava Jato, passou quase despercebida pelo noticiário
brasileiro na última semana. Mas suas implicações dão dois indicativos: 1) a
corte trata de maneiras distintas ex-autoridades públicas, como Sarney e Luiz Inácio Lula da Silva (PT); e 2) o relator da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, terá dificuldade em emplacar sua tese dentro
deste colegiado.
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O
primeiro teste de fogo de Fachin ocorreu há uma semana, quando votou a favor da
manutenção dos quatro inquéritos que envolviam Sarney na primeira instância.
Foi derrotado por quatro votos a um. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello concordaram com a tese
da defesa do peemedebista e entenderam que, por suas investigações estarem
ligadas a suspeitos como foro privilegiado, ele deveria ser julgado pelo
Supremo. As suspeitas contra Sarney surgiram após grampos clandestinos feitos
contra ele pelo ex-presidente da Transpetro e ex-senador Sergio Machado que
também envolveram outros dois senadores peemedebistas, Romero
Jucá e Renan Calheiros. Na ocasião, veio a público a tentativa dos
peemedebistas de frearem a Lava Jato.
Em uma das investigações,
Sarney é suspeito de se juntar a Jucá e a Calheiros para elaborar um projeto de
lei para impedir que suspeitos presos fizessem delação premiada. Na outra, ele
é suspeito de receber propinas de 16 milhões de reais. O ex-presidente nega que
tenha recebido propinas ou esteja envolvido nos crimes investigados pela Lava
Jato.
Apesar de não ser
contemplado por nenhuma das exigências que beneficiam as milhares de pessoas
que têm direito ao foro privilegiado (aquele em que apenas tribunais podem
julgá-lo), Sarney acabou recebendo esse benefício. Enquanto o ex-presidente
Lula, não. O petista é réu em quatro processos e, até o momento, todos serão
julgados pelo juiz
Sergio Moro, o célere e rígido magistrado responsável pela Lava Jato
na primeira instância. No caso de Lula, seus advogados já tentaram elevar os
casos para o STF, mas não conseguiram porque a Corte entendeu que até o momento
não foi comprovado o envolvimento de autoridades com essa prerrogativa.
PELO FIM DO FORO
Quando o STF se posicionou
favoravelmente a Sarney, seu advogado, Antonio Carlos de Almeida Castro, o
Kakay, disse que a decisão embasaria sua tese de que seu cliente não cometeu
nenhum crime. “Como temos absoluta certeza de que a delação [de Sergio Machado]
é falsa, oportunista e falaciosa, será fácil demonstrar neste único inquérito
que o único crime foi cometido pelo Sergio Machado com a gravação criminosa,
ilegal e imoral”, afirmou ao site Consultor
Jurídico, especializado nesse tipo de cobertura.
O curioso, no caso de Kakay,
é que ele mesmo já defendeu, mais de uma vez, o fim do foro privilegiado. A
defesa enfática mais recente ocorreu nesta segunda-feira, em entrevista ao O
Estado de S. Paulo. Diz o advogado de Sarney: “Tenho defendido a
garantia de foro apenas a presidentes da República, do Supremo, do Senado e da
Câmara”.
Nesse longo debate, outro
que se beneficiará do foro o delator Sérgio Machado. Essa definição do STF
coloca em evidência idas e vindas nem tão claras da corte constitucional
brasileira. Quando do julgamento do mensalão petista, por exemplo, todos os
envolvidos com autoridades com direito a foro foram julgadas pelo Supremo. Anos
depois, quando a análise foi sobre o mensalão tucano, a decisão foi que só
seriam julgados nesta instância os que tivesse esse benefício. Agora, voltam ao
entendimento anterior, ao menos em parte.
“O problema do STF é que ele
nunca estabeleceu um padrão. O Supremo não definiu esse padrão porque sabe que
há um custo político por trás disso e, agora, parece que ele não quer pagá-lo”,
afirmou o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Ivar
Hartmann. Coordenador do projeto Supremo em Números, da FGV,
Hartmann diz que a tentativa de manter os casos nesta Corte tem ao fundo uma
esperança de que os crimes prescreverão com maior facilidade.
Um levantamento da FGV
mostra que 68% dos processos envolvendo réus com foro privilegiado entre
janeiro de 2011 e março de 2016 tiveram um fim que não se espera do Judiciário:
os processos ou prescreveram ou foram enviados às instâncias inferiores e
protelaram uma decisão. Para chegar a esses dados, os pesquisadores analisaram
404 ações penais que já tiveram alguma conclusão. A pesquisa foi antecipada por
alguns veículos de imprensa há cerca de dez dias, mas ainda não foi publicada
pela própria instituição, apesar de ter seu resultado confirmado.
Informações como essas
reforçam o movimento que pede o fim do foro privilegiado para as autoridades.
Atualmente, pelas regras constitucionais a gama de beneficiados por julgamentos
distintos do cidadão comum é extensa. Mais de 22.000 pessoas só podem ser
julgadas por colegiados, ou seja, por Tribunais de Justiça dos Estados,
Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal
Federal. Entre os beneficiados estão o presidente da República, seus ministros
e seu vice, os governadores, os senadores, os deputados federais e estaduais,
os ministros de tribunais superiores, os promotores de Justiça, os procuradores
federais, os prefeitos e o procurador-geral da República.
Atualmente, há sete projetos
de lei tramitando no Congresso sobre o tema. O que está em estágio mais avançado
é a proposta de emenda constitucional (PEC)
número 10 de 2013 para extinguir o foro especial em caso de
crimes comuns. Aprovada em novembro do ano passado na Comissão de Constituição
e Justiça do Senado, ela aguarda que o presidente da Casa, Eunício Oliveira
(PMDB-CE), paute sua votação no plenário, algo que não tem data para ocorrer.
Oliveira é um dos citados na Lava Jato.
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