Um fragmento do passado emergiu das águas
do São Francisco como uma lembrança palpável da era da navegação no rio, sua
importância e dos dramas humanos que marcaram sua história: um fuzil Mauser,
modelo 1908, encontrado nos escombros do navio a vapor Antonio Olyntho,
naufragado em março de 1926, próximo a Ilha da Assunção, em Cabrobó.
Semi-carcomido ao longo de quase 90 anos de submersão e
repleto de uma crosta, formada por sedimentos, o fuzil mantém relativamente bem
preservados o mecanismo de ferrolho, a coronha com o detalhe circular no lado
direito, parte da haste de limpeza, na parte inferior do cano, e o guarda-mato.
Uma relíquia sem dúvida, mas como arma, inutilizada.
O autor do achado foi o mecânico e
construtor de embarcações Sivaldo Manoel de Sá, morador de Ibó, município de
Abaré (BA). Ele encontrou o fuzil praticamente por acaso, logo depois de
realizar a manutenção do motor de uma lancha, em companhia de pescadores que
fazem pesca com arpão. Findo o serviço, eles decidiram conferir os escombros do
navio – cuja presença naquele ponto do rio é de conhecimento da população local
há muitos anos.
De acordo com Sivaldo, devido à baixa das águas do Rio São
Francisco uma das escotilhas do navio está a cerca de dois metros de
profundidade, mas a parte inferior do casco encontra-se a oito metros. Segundo
ele, a correnteza é forte para o mergulho prolongado sem auxílio de
equipamentos.
HISTÓRIA – A arma encontrada era um fuzil
de repetição (ou rifle) Mauser calibre 7x57mm era arma comum das Polícias
Militares do princípio do século XX. Também conhecido como F.O (fuzil
ordinário) podia ser carregado com pente-carregador (cinco cartuchos). Media 1,257
metro e pesava 3,796 kg.
Curioso sobre a história do navio e
disposto a repassar o fuzil a um museu, ou entidade voltada a preservação de
bens históricos, Sivaldo procurou a Fundação Regional Museu do São Francisco em
Juazeiro, no dia 05. “Eu poderia pendurar ele na minha casa, mas creio que
ficaria mais importante para um museu, porque é uma peça de muitos anos”,
explicou. “Um fato que ocorreu há tantos anos não pode passar despercebido
pelos dias de hoje. Se uma história dessas viesse à tona seria importante para
muita gente que tem interesse em saber. Eu mesmo tentei pesquisar e as
informações que encontrei são contrárias”, afirmou.
VAPOR – Do Antonio Olyntho, que começou a
operar antes de 1895, não restaram fotos conhecidas, mas sabe-se que o vapor
tipo gaiola tinha 25 metros de comprimento e 0,60m de calado (profundidade a
que se encontra o ponto mais baixo da quilha de uma embarcação, em relação à
linha d’água – superfície da água) o mesmo do Saldanha Marinho, hoje monumento
histórico em Juazeiro.Em 1903, menos de um ano após a liquidação forçada da
Empresa Viação do Brasil, o Antonio Olyntho foi leiloado com os demais vapores
e arrematado pelo governo do Estado da Bahia. O governo organizou então a
Empresa Viação do São Francisco, de acordo com o livro “Navegação do Rio São
Francisco”, de Fernando da Matta Machado.
O próprio Sivaldo contou ter tomado
conhecimento que havia nada menos que 60 soldados no Antonio Olyntho. “Pelo que
pesquisei na internet não consta nada. O que eu soube das pessoas mais velhas é
que essa embarcação afundou em 1926 e tinha soldados que foram para Barra do
Tarrachil para conter uma revolta. Estavam voltando, o rio estava muito cheio e
a embarcação afundou na subida da cachoeira. É o que os mais velhos contam lá
em Ibó”, disse. “Meu tio fala que morreram 16 pessoas, inclusive na Ilha da
Várzea foram sepultados dois”, contou.
Sobre outras incursões aos escombros do Antonio Olyntho, o
construtor disse ter tomado conhecimento que há cerca de trinta anos, prepostos
da Marinha teriam retirado porcelanas e outros materiais do barco.
MISTÉRIO – Passados 89 anos, as
informações sobre o naufrágio do Antonio Olyntho continuam uma página
misteriosa da navegação no Velho Chico. Conta o historiador Walter Dourado, no
livro “Pequena História da Navegação no Rio São Francisco”, de 1973, que o
incidente aconteceu por volta das 10h da manhã do dia 07 de março de 1926, um
domingo. O navio a vapor naufragou na localidade então conhecida como Cachoeira
do Pambu, próximo a Ilha da Assunção, quando retornava de Belém do São
Francisco.
Segundo o historiador, nove pessoas morreram: seis
tripulantes (chefe de máquinas, um marinheiro, o contramestre, a zeladora, um
taifeiro, um foguista) e três passageiros, incluindo entre estes, dois soldados
da Polícia Militar da Bahia que retornaram de um confronto com integrantes da
Coluna Prestes – ou seja, é possível que o fuzil tenha pertencido a um dos
dois. O comandante do navio chamava-se João de Deus da Rocha Alves, conhecido
como Pombinho.
Da imprensa da época, o jornal O Pharol, edição de 20 de
março, informa laconicamente, com base em telegrama do Recife, o naufrágio do
Olyntho “em viagem no baixo S. Francisco, morrendo seis tripulantes e dois
passageiros, por motivo de explosão na caldeira do referido vapor”.
SOBREVIVENTE – Sivaldo entregou o fuzil
para a diretora do Museu Regional do São Francisco, Rosy Costa, que considerou
“imensurável” o valor do achado. “Uma peça que está submersa há 89 anos é de um
valor inestimável. Para o Museu, que tem como carro chefe da memória, o Rio São
Francisco é como resgatar um pedaço da sua história que estava afogada”,
afirmou Rosy Costa. Sobre a exposição da peça, ela informou que conversará com
museólogas da capital para obter mais informações sobre a maneira adequada de
apresentar o fuzil, após ele ter permanecido tanto tempo embaixo da água.
Logo em seguida a chegada de Sivaldo ao Museu, na
quinta-feira da semana passada (05), o ex-piloto fluvial benedito Lima, 80
anos completados no último mês de setembro, residente no Alagadiço, em
Juazeiro, informado por Rosy do achado, foi ao museu conferir a relíquia e
compartilhar histórias sobre os tempos da navegação. “Isso é um achado
histórico”, disse, ao ver a arma.Benedito não é apenas um ex-navegante do Velho
Chico: o pai dele, Manoel Lima Sobrinho, trabalhou como prático (timoneiro ou
piloto) em navegação e estava no Antonio Olyntho na ocasião da tragédia, contou
Benedito. Manoel conseguiu nadar e agarrar-se na vegetação as margens do rio.
Faleceu em 1943 e está sepultado em Carnaíba, distrito de Juazeiro.Do que ouviu
da mãe e da avó, Benedito contou que o navio Antonio Olyntho emproou por causa
do peso da lenha que transportava, entrando numa “panela” ou “corrupios”
(redemoinhos), afundando naquele trecho do Velho Chico, justamente perto da
Cachoeira do Pambu.
“O negócio lá era tão forte que trouxeram um barco da
Marinha, porque remo ou vela não aguentava”, explicou Benedito, sobre a
correnteza do rio e os trabalhos da Marinha e do Governo da Bahia para
esclarecer o acidente e eventualmente, recuperar pertences do navio. “Tudo o
que o senhor está me dizendo aqui, comprova com o que o meu tio me disse”,
confirmou Sivaldo.
Fonte:(t)(f) Jean Corrêa
BLOGGER JUNIOR JUNIOR
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