Endossando o coro dos sanfoneiros que lançaram a
campanha "Devolvam o nosso São João", encabeçada pelos músicos
Joquinha Gonzaga e Chambinho do Acordeon, que denuncia uma descaracterização do
São João nas programações dos festejos públicos, o cantor e compositor Alcymar
Monteiro defende uma maior valorização do forró. O manifesto, que ocorre nas
redes sociais, conta com a participação de dezenas de músicos de diversos
estados do Nordestes. Portando cartazes de protesto, eles chamam a atenção para
o espaço dedicado aos gêneros tradicionais em um dos principais festejos da
cultura nordestina.
Confira o roteiro de shows no Divirta-se
Para Alcymar, a forma como as gestões públicas
municipais e estaduais têm elaborado os festejos do ciclo se consolidam como um
"desprestígio com as novas e futuras gerações, pelas mãos de uma gente que
tenta usurpar a cultura de um povo". Em sua fala, se refere às mesmas
negociações entre gestores e produtores denunciadas por Joquinha, sobrinho de
Luiz Gonzaga, em entrevista ao Viver.
O herdeiro do Rei do Baião acredita que os
principais motivos para a perda de território nos festejos da época são a falta
de aporte da iniciativa pública e às negociações com grandes empresas de
entretenimento, que decidem as atrações. "Eles é que estão montando esse
esquema. Os empresários estão manipulando tudo, chegam nas prefeituras e
compram o espaço todo. Botam quem eles querem, menos os sanfoneiros",
denunciou o sanfoneiro, que chegou a dizer que, se vivo, Luiz Gonzaga não
estaria mais no mundo da música.
"Essa é festa espoliada por pessoas que são
alheias à nossa cultura, que não compreendem esse tipo de manifestação. E que
acham que o forró é uma música de 2ª classe", concorda Alcymar. O
forrozeiro classifica as tradições culturais como um direito universal,
existente no mesmo patamar que outras garantias básicas necessárias como saúde
e alimentação. "O forró é a trilha sonora da maior festa de inverno do
mundo. Uma manifestação que é a representação dos nossos valores mais
profundos, oriundos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, esses grandes
menestréis que construíram nossa cultura musical", afirma.
No manifesto político-cultural, o músicos
apontam que a desproporcionalidade entre artistas locais diretamente ligados
aos gêneros tradicionais, como o forró pé-de-serra e o baião, e atrações de
outros estilos e estados ocorre, principalmente, nos grandes polos do ciclo,
como Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba. "Algumas
cidades sempre introduziram 'grandes nomes da música' em suas programações.
'Grandes nomes' porque são impostos massivamente na mídia. Nessas cidades,
querem que a festa seja grande, mas ela está ficando culturalmente cada vez
menor", critica Alcymar, se referindo principalmente à detentora do título
de "Maior São João do Mundo", na Paraíba, que classifica como
"palco dos horrores". "Eles incutem na cabeça da juventude que
essa outra música é sucesso", alfineta.
"Se eu não defender essa cultura junina, eu
estaria traindo meu próprio povo. Eu não sou traíra, sou gonzaguiniano e
jacksoniano. Luto pela renovação do nosso forró, mas sem incutir toda essa
'pornofonia' e 'pornomelodia' que são criminosas", afirma.
Abrindo a programação do palco principal do
maior polo junino em Pernambuco, Caruaru, neste sábado (3), ao lado de Elba
Ramalho, da banda Fulô de Mandacaru (vencedora do reality global SuperStar
2016) e da Orquestra de Pífanos de Caruaru (regida pelo maestro Mozart Vieira,
e criada para a festividade), Alcymar Monteiro pondera sobre a programação
deste ano: "Essa gestão cultural de Caruaru teve uma ideia que eu achei
válida. Não bato palmas, mas achei válida: criar um palco alternativo no Alto
do Moura. Artistas como Alceu Valença e Lenine, que têm uma forte identificação
com a nossa cultura, mas que não estão diretamente ligados ao forró, vão tocar
neste espaço. Enquanto que os forrozeiros irão ocupar a Praça de Eventos Luiz
Gonzaga".
Ele, que diz ter sido excluído do festejo na
cidade nos últimos quatro anos, por divergências políticas com a gestão
anterior, vê um avanço na "capital pernambucana do forró".
"Neste ano, eu acho que tem 70% de pessoas diretamente identificadas com
nossa cultura na programação. E Gonzaga já me dizia: 'cumpadre, moda sempre vai
ter, mas cuidado com ela. Moda é como sapato velho, quando não presta a gente
joga fora'", relembra Monteiro. "Meus companheiros disseram 'devolvam
o nosso São João'. Eu digo: 'devolvam o São João que vocês nos roubaram'. E
tenho certeza que isso, no futuro, será cobrado deles", arremata Alcymar.
CAMPANHA
Foi do músico Nivaldo Expedito de Carvalho, mais
conhecido como Chambinho do Acordeon, intérprete do Rei do Baião no filme
Gonzaga: De pai pra filho, a iniciativa da campanha "Devolva nosso São
João". A ideia surgiu no ano passado, a partir de sua experiência no
universo ficcional, enquanto interpretava o personagem Targino dos 120 baixos
na novela Velho Chico. O músico da ficção, que saía do sertão para se
apresentar em um vilarejo, se deparava com uma situação muito parecida com a
enfrentada pelos sanfoneiros na realidade.
Na mesma época, foi se apresentar, na véspera de
São João, na cidade de Feira de Santana (BA) e se emocionou com o depoimento de
um sanfoneiro local, J. Sobrinho. Conhecido na região, o sanfoneiro iria passar
a primeira data junina sem tocar em 30 anos. O depoimento emocionou Chambinho e
o episódio inspirou o diretor a denunciar a descaracterização dos festejos
juninos no enredo da novela. Com uma agenda de 25 shows para o mês de junho,
Chambinho diz que a maior preocupação é com a situação dos "pequenos"
músicos.
A convocatória nas redes sociais, explica, é o
início de uma ação que deve contar ainda com veiculação de um manifesto em
vídeo e de projeto a nas prefeituras dos principais polos juninos. Entre as
frases divulgadas pelos artistas na campanha, estão "Devolvam o nosso São
João", "São João é do Nordeste" e "São João só é grande
quando tem forró".
Diário de Pernambuco / Eloy Neto
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