Prefeita da cidade com população mais prejudicada
pela seca no Sertão do São Francisco, Ena Vilma Negromonte, gestora de Glória,
só apela agora para forças sobrenaturais. De acordo com dados da gestão, 76,2%
da população local foi afetada com a estiagem, que já vai para o quarto ano
consecutivo. Na quinta-feira (15), um decreto do governo estadual listou 15
cidades – entre elas, Glória – em situação de emergência devido à seca. Em
entrevista ao Bahia Notícias, Ena Negromonte, que também é esposa do
conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), Mário Negromonte,
afirmou que adutoras e poços artesanais, construídos durante administração
dela, não conseguiram suprir a demanda. “Hoje, a nossa situação está cada dia
pior, porque a gente fez tudo, mas Deus não mandou a água”, disse ao enfatizar
o elemento divino, argumento histórico de gestores nordestinos quando o
problema é enfrentar a seca.
VEJA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA.
Na semana passada, um decreto pôs em situação de emergência 15 cidades do Vale do São
Francisco. Glória, segundo dados da prefeitura, tem a maior população afetada,
com 76,2% dos habitantes prejudicados. O que a gestão da senhora tem feito para
amenizar a situação da cidade?
A nossa cadeira produtiva é basicamente de caprinos e ovinos, além de
agricultura irrigada, piscicultura [peixes] e apicultura [abelhas]. Desde que
nós entramos, temos trabalhado para dar melhores condições aos trabalhadores.
Nós fizemos 11 barragens, com limpezas delas. O governo Jaques Wagner fez duas adutoras.
Uma atende a dez povoados, e a outra serve à região da Baixa das Pedras, que
por sinal nós abastecíamos a região em um mini-sistema de poço artesiano e
carro pipa. Hoje, a nossa situação está cada dia pior, porque a gente fez tudo,
mas Deus não mandou a água.
A senhora associa o problema da estiagem a
Deus?
Não. Nós nos preparamos. Caso a chuva viesse, a gente ia poder encher as
barragens e servir ao abastecimento da produção agropecuária.
Há quanto tempo a cidade sofre com esta seca
mais severa?
Há coisa de quatro anos. Para se ter ideia, nós temos hoje
aproximadamente cinco mil agricultores familiares. Desses, três mil não estão
na área do Rio São Francisco. Eles ficam em terras onde o sol é escaldante. Sem
falar que tem uma área de Glória que fica no Raso da Catarina [um dos locais
mais secos do estado]. Com esses pequenos agricultores, nós ajudamos dando
carros pipa para que eles mantenham o rebanho que é basicamente composto de
caprinos e ovinos.
No final de março deste ano, o governador Rui
Costa anunciou arecuperação de poços subterrâneos de dessalinização no
estado. Santa Brígida, que fica perto de Glória, foi beneficiada. Em Glória
houve iniciativas como essa?
No período que estou aqui, nós construímos, além dos poços artesianos
existentes, mais dez poços no município de Glória. Olha, eu estou muito
preocupada porque a gente não sabe realmente a vazão desses poços, sendo que
dois dele, que são grandes, já secaram. E isso está ocorrendo no Nordeste
inteiro. Por que se não chove, de onde vai chegar a água? Nesse momento, eu não
sei qual a atitude que o governo vai ter. Em 2014, nós tivemos ajuda do governo
com as adutoras, porque os poços viviam quebrando direto. O município de Glória
recebeu no ano passado 297 toneladas de milhos subsidiadas pelo governo federal
via Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] para os criadores. Eles tiveram
pelo menos alimento para os rebanhos, e eu dava água através de carros pipa.
Outra ação foi do Garantia Safra [ação federal para agricultura familiar], que
foi extremamente importante para os agricultores. Ano passado, 870 famílias
foram beneficiadas. Cada família recebia R$ 860, divididos em cinco vezes. Esse
ano, nós tivemos cadastradas 927 famílias no Garantia Safra. Agora, dizer o que
vai acontecer daqui para frente neste momento, eu não sei.
O presidente da Agência Nacional de Águas
(ANA), Vicente Andreu Guillo, esteve em Salvador no mês passado e disse que é preciso economizar água ao máximo, principalmente pelo
agravamento do El Niño [fenômeno climático]. Segundo eles, os produtores
precisam se responsabilizar mais contra o desperdício. Em Glória, há essa
consciência por parte dos produtores?
Olha, tem que ter essa consciência, e eles têm. Eu falo a eles que não é
possível dar carro pipa para uma pessoa e digo: “olha, eu não tenho mais
dinheiro”. Eles são conscientes disso. Eu ajudo para que eles se fixem na
região deles.
Então, a senhora não tem perspectiva de futuro
para solucionar o problema da estiagem?
Eu acredito em Deus. Eu acho que a gente tem que acreditar sempre nele
porque se chover boas trovoadas aí com certeza, nós ficaremos mais tranquilos.
A senhora não acredita que esse problema da
seca é sempre colocado para debaixo do tapete? A impressão é que não há
investimento em inovação, tecnologia e ciência. Por isso, as regiões não
conseguem suportar períodos mais severos de estiagem como esse e acabam
dependendo de algo divino.
Na verdade, eu sempre digo que a gente não pode ficar esperando pelo
céu. É tanto que a tecnologia esta aí, nós conseguimos com muita luta duas
adutoras para o nosso município, fizemos o possível. Nós mudamos todo o nosso
sistema de abastecimento. Agora, nós prefeitos temos limitações e dependemos
muito dos governos estadual e federal. O problema é que essa estiagem está demorando
demais. Já está no quarto ano e já secou tudo, praticamente.
Há risco de colapso no abastecimento de água?
Não. De jeito nenhum. Nós temos duas adutoras, a cidade conta com a
Embasa, por isso não há risco de chegar a esta situação.
Como é que vocês estão avaliando a gestão de
Rui Costa para a região do Vale do São Francisco?
Eu tenho muita esperança em Rui. Acredito muito nele, mas acho que ele,
como a gente, está enfrentando essa situação que o país vive. Eu tenho certeza
que ele vai nos ajudar. O problema que a gente passa é o mesmo de todos os
municípios do sertão. Eu acredito em Deus e nos homens de boa vontade.
BAHIA NOTÍCIAS
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