O homem era o mata-sete, o facínora, o Robin
Hood sertanejo, amigo do dos coronéis, bandido dos bandidos, governador do
sertão
“O homem chegou”. Não
precisava nem falar nem o nome para que moças desfalecessem, cabras-macho
saíssem em disparada e a correria tomasse conta das pequenas cidades do
Nordeste nos anos 1920 e 1930.
O homem era o
mata-sete, o facínora, o Robin Hood sertanejo, amigo do dos coronéis, bandido
dos bandidos, governador do sertão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Morto
numa emboscada na gruta de Angicos em Poço Redondo (SE) em julho de 1938,
Lampião deixa um legado controverso no Nordeste brasileiro 80 após sua morte.
De um
lado, há quem defenda o cangaceiro como uma resposta violenta à própria
violência do Estado. De outro, há quem o veja apenas como um homem cruel e
sanguinário. Como a Folha de S.Paulo publicou nesta semana, oito décadas após
sua morte, em 28 de julho de 1938, o fantasma de Lampião continua a assombrar
Cansanção, Queimadas e outras cidades do Nordeste. Desta vez, por meio de
bandos armados que invadem cidades e assaltam bancos, numa modalidade de crime
que ficou conhecida como “novo Cangaço”.
Lampião
não foi o primeiro dos cangaceiros do Nordeste. Antes dele, foras da lei como
José Gomes, o Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Antônio Silvino e
Sinhô Pereira marcaram história e banharam de sangue cidades do sertão.
Mas foi Virgulino quem
inaugura um novo ciclo do cangaço no período em que o banditismo atingiu o seu
auge nas pequenas cidades e vilas nordestinas.
“Costumo
dizer que Lampião inaugurou o Cangaço S/A. Ele criou uma rede de apoio político
e logístico que lhe produzia lucros e garantia a sobrevivência”, conta o
historiador Manoel Neto, coordenador do Centro de Estudos Euclides da Cunha da
da Uneb (Universidade do Estado da Bahia).
O apoio
dos coronéis, afirma, foi fundamental para que Lampião conseguisse sobreviver
por quase 17 anos no Cangaço, passando por quase todos os estados nordestinos,
quase sempre com tropas da polícia em seu encalço. “Ele servia e se servia dos
grupos hegemônicos”, diz.
Manoel
Neto considera o Cangaço como a “gênese de um processo civilizatório que se implantou
por meio da violência” para fazer frente a violência histórica dos coronéis do
sertão. E o equipara a movimentos messiânicos como Canudos e Pau de Colher, na
Bahia, e Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no Ceará.
“São
manifestações dos subalternos por meio da violência contra o status quo. Se a
linguagem do Cangaço é a violência, é uma violência combate a do estado”, diz.
Autor do
livro “Lampião na Bahia”, o historiador Oleone Coelho Fontes tem uma visão
menos lisonjeira do cangaceiro: “Não se pode esquecer por um minuto sequer que
ele foi um bandido, um facínora um sanguinário. Não fez outra coisa da vida a
não ser matar ou destruir”, afirma.
Ele
ainda desdenha da versão dada por Lampião do porquê ele entrou na Cangaço
vingança pela morte do pai por forças policiais de Pernambuco em 1921. “Desde
antes da morte do pai ele já era criador de caso, semeador de crueldade. Era
uma delinquente”.
Esta
visão é a mais recorrente entre os moradores de Queimadas, cidade de 26 mil do
nordeste da Bahia, que ainda hoje respira a história da passagem de Lampião por
aquelas bandas. Foi lá que cangaceiro, friamente, matou sete policiais da
guarda local nas vésperas do Natal de 1927 massacre lendário que lhe rendeu a
alcunha de “o mata sete”.
“Muita gente
menciona o lado positivo dele, mas o lado negativo supera milhares de vezes.
Ele foi terrível para os sertanejos”, afirma o aposentado Elias Marques, 67,
morador de Queimadas cujo avô presenciou a chegada do cangaceiro na cidade.
Elias
Marques, funcionário público aposentado e morador de Queimadas, na antiga
estação de trem da cidade.
Por
décadas, as marcas de sangue ainda podiam ser vistas na calçada acinzentada em
frente ao antigo quartel, hoje sede da prefeitura e guarda municipal.
A ação
durou pouco mais de um dia: depois de atravessar o rio Itapicuru, ele entrou na
cidade com outros 15 homens. Raptou o juiz, prendeu os policiais, soltou os
presos e ordenou que fizessem uma festa em sua homenagem.
No dia
seguinte, matou os sete soldados e poupou o comandante da tropa, atendendo ao
pedido de uma senhora religiosa que pediu pela vida do sargento, que também era
da igreja. Lampião foi embora com 22 contos de réis e ficou na história não só
de Queimadas, mas no imaginário do Nordeste.
Oito
décadas após sua morte, sua história segue sendo contada e recontada nos
livros, nos cordéis, no artesanato, nos filmes e nas cantigas dos violeiros.
Está presente em símbolos que vão chapéu de cangaceiro a danças como o xaxado.
Diz
Manoel Neto: “Esse é o legado que ninguém questiona. Lampião e o Cangaço seguem
forte no imaginário popular do sertão. É parte da nossa história”.
Com informações da Folhapress.
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