Plenário da Câmara deve votar nesta semana a principal aposta
de Michel Temer para recuperar contas do Brasil
Nesta semana, o plenário da Câmara
deve votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, principal aposta do
governo Michel Temer para colocar as contas públicas em ordem. A medida, que
estabelece um teto para o crescimento das despesas, está causando polêmica por
congelar os gastos durante vinte anos e alterar o financiamento da saúde e da
educação no Brasil.
De um lado, a PEC é considerada
necessária para reduzir a dívida pública do país - que está em 70% do PIB (soma
das riquezas produzidas) - e tirá-lo da crise fiscal. Do outro, é vista como
muito rígida e criticada por, em tese, ameaçar direitos sociais.
Afinal, o que está em jogo com a
aprovação do texto?
A BBC Brasil ouviu economistas para
explicar o que diz a proposta e quais são seus pontos mais debatidos.
O QUE DIZ A PEC?
A PEC 241 fixa para os três poderes
- além do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União - um
limite anual de despesas.
Segundo o texto, o teto será válido
por vinte anos a partir de 2017 e consiste no valor gasto no ano anterior
corrigido pela inflação acumulada nesses doze meses. A inflação, medida pelo
indicador IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), é a
desvalorização do dinheiro, quanto ele perde poder de compra num determinado
período.
Dessa forma, a despesa permitida em
2017 será a de 2016 mais a porcentagem que a inflação "tirou" da
moeda naquele ano. Na prática, a PEC congela as despesas, porque o poder de
compra do montante será sempre o mesmo.
Caso o teto não seja cumprido, há
oito sanções que podem ser aplicadas ao governo, inclusive a proibição de
aumento real para o salário mínimo.
Mais do que colocar as contas em
ordem, o objetivo da PEC, segundo mencionado pelo ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, seria reconquistar a confiança dos investidores. A aposta da equipe
econômica é que a medida passe credibilidade e seja um fator importante para a
volta dos investimentos no Brasil, favorecendo seu crescimento.
O TETO AMEAÇA SAÚDE E EDUCAÇÃO?
Um dos principais questionamentos é
que, ao congelar os gastos, o texto paralisa também os valores repassados às
áreas de saúde e educação, além do aplicado em políticas sociais. Para esses
setores, a regra começa a valer em 2018, usando o parâmetro de 2017. A mudança
foi incluída no relatório feito pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS),
relator da proposta na comissão especial da Câmara.
Segundo os críticos, tais restrições
prejudicariam a qualidade e o alcance da educação e da saúde no país. Hoje, os
gastos com esses segmentos podem crescer todo ano. As despesas com saúde, por
exemplo, receberam um tratamento diferenciado na Constituição de 1988, a fim de
que ficassem protegidas das decisões de diferentes governos.
A regra que vale hoje é que uma
porcentagem mínima (e progressiva) da Receita Corrente Líquida da União deve ir
para a saúde. Essa porcentagem, de 13,2% neste ano, chegaria a 15% em 2020.
Como a expectativa é de que a receita cresça, o valor repassado também
aumentaria. No relatório da PEC, esses 15% foram adiantados para 2017 e então ficariam
congelados pelo restante dos 20 anos.
Para o professor de economia da
Unicamp Pedro Rossi, essas mudanças afetam sobretudo os mais pobres.
"A população pobre, que depende
mais da seguridade social, da saúde, da educação, vai ser prejudicada. A PEC é
o plano de desmonte do gasto social. Vamos ter que reduzir brutalmente os
serviços sociais, o que vai jogar o Brasil numa permanente desigualdade."
Rossi diz que a medida não faz parte
de um sistema de ajuste fiscal, mas de um projeto de país no qual o governo
banca menos as necessidades da população.
Além disso, argumenta a professora
da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é inadequado colocar um teto para os gastos
com saúde, porque não dá para prever como os atendimentos vão crescer.
O ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, disse que a aprovação da PEC deve reconquistar a confiança
dos investidores
"Você pode ter movimentos
migratórios intensos, aumento da violência e das emergências, aumento dos
nascimentos. Vai ter hospital superlotado, com dificuldade para atender."
Segundo a professora, com a PEC, o
acesso das próximas gerações a esses serviços públicos fica comprometido:
"estamos prejudicando vidas inteiras"
"Muitas pessoas nesse debate
não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai
aumentar muito."
Ela diz que o país está à beira de
uma crise fiscal. Se o governo não consegue aumentar a receita para pagar os
juros de sua dívida nem cortar gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar
o Banco Central a imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.
De acordo com a professora, o
tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de como os cortes serão
feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e não as escolas, podem ser
menos danosos. O importante, diz, é preservar a ponta: a sala de aula.
O que preocupa Battisti é o perfil
dos cortes feitos até agora pelo governo Temer, como os critérios mais rígidos
para conseguir o seguro-desemprego.
"Na minha percepção, os
congelamentos que estão acontecendo atingem as transferências para a população,
como o seguro-desemprego, e não os gastos correntes, como os salários de
funcionários públicos. Isso é muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia
para pagar seus compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria
impensável."
No entanto, há quem acredite que os
cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.
O professor de Economia do Insper
João Luiz Mascolo afirma que é não é uma questão de quantidade de dinheiro, mas
de colocá-lo no lugar certo. Para ele, não faltam recursos, falta boa
administração.
O coro é engrossado pelo economista
Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".
"A gente tem muita gordura no
gasto. Se queimar essa gordura, está de bom tamanho. E estamos partindo de uma
base que não é assim tão pequena. Numa situação tão complicada, crescer pela
inflação, variável constante, não é uma coisa tão apertada."
Ele argumenta que, no relatório
apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um
tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria uma
"folga inicial" na aplicação da regra.
Mesmo se o dinheiro for insuficiente
em algum ponto, Velloso e Mascolo dizem que valores podem ser retirados de
outros setores para cobrir essas necessidades. Além disso, afirmam, o período
de dez anos - depois do qual o presidente pode propor mudança no formato da
correção - não seria assim tão longo.
"As pessoas esquecem é que o
gasto (afetado) é global. A mensagem central é que o gasto total da união não
cresça mais do que a inflação. É uma tentativa de organizar as contas. Tem a
possibilidade de alterar em dez anos. É um sinal de que vão conseguir retomar o
controle da dívida em uma década".
VINTE ANOS É UM BOM PRAZO?
Outro ponto de discussão é a duração
da PEC. Para uns, ela é uma medida muito rígida para durar tanto tempo, e
deveria ser flexível para se adaptar às mudanças do país. Para outros, um
período tão extenso passa a mensagem de que o Brasil está comprometido com o
equilíbrio das contas.
A professora Cristina de Mello, da
PUC-SP, faz parte do primeiro grupo. Ela diz que, se houver uma queda abrupta
da arrecadação, por exemplo, a dívida aumentaria, porque os gastos serão
congelados em um patamar alto.
Segundo Mello, o argumento de que
uma medida de longo prazo passa mais credibilidade é falacioso. Isso porque, se
antes do prazo de dez anos, o governo precisar mexer em alguma regra, a PEC
gerará desconfiança.
"Se daqui a alguns anos, for
necessário fazer um gasto maior e mudar o índice de inflação por outro mais
confortável, vai haver descrença. Por que escolheram esse critério e não outro?
Pode haver maquiagem de dados."
Ela afirma que o texto é também uma
estratégia para não ter que aprovar o orçamento no Congresso todos os anos,
como acontece hoje.
"Imagina se tiver uma
catástrofe, uma epidemia de zika, que vai exigir gastos maiores. A sociedade
vai pressionar o governo e ele vai se resguardar no teto, podendo cortar outras
coisas. É uma estratégia de negociação."
Ao tirar o Congresso dessas
decisões, o professor Pedro Rossi, da Unicamp, considera a medida
antidemocrática.
"O Congresso não vai poder
moldar o tamanho do orçamento. Por consequência, a sociedade também não."
Para a Secretaria de Relações
Institucionais da Procuradoria-Geral da República, a medida também fere a
Constituição. A Secretaria enviou ao Congresso uma nota técnica dizendo que as
alterações da PEC são "flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a
independência e autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário" e a
autonomia do Ministério Público. Segundo a nota, o prazo de vinte anos é
"longo o suficiente para limitar, prejudicar, enfraquecer" o
desempenho das instituições do Sistema de Justiça. O Planalto respondeu dizendo
que o limite será igual para todos os poderes.
Do outro lado, Jolanda Battisti, da
FGV, afirma que o prazo representa que o governo está "comprando
tempo" para colocar a dívida sob controle.
"É como se uma pessoa
endividada que diz que vai te pagar de volta, mas só dez reais por semana, e
não em grandes prestações."
Um plano de longa duração, afirma,
substitui ações mais drásticas, como aumentar impostos ou cortar despesas
imediatamente, o que poderia agravar o desemprego.
O professor do Insper João Luiz
Mascolo argumenta que vai levar alguns anos para que alcancemos o superavit
primário (dinheiro que sobra nas contas do governo e serve para pagar os juros
da dívida). Hoje, temos deficit primário, ou seja, não sobra dinheiro.
"Ainda vamos ter um pico antes
da dívida começar a cair. Por isso a PEC é longa, tem uma inércia nessa conta.
Ela não vai trazer o deficit para zero em um ano"
O economista Raul Velloso aposta na
revisão desse período do futuro.
"Se chegarmos a conclusão de
que é muito longo e a dívida já diminuiu, revemos. Mas agora estamos numa crise
muito séria, não podemos arriscar. É um tiro só."
HAVIA OUTRAS OPÇÕES?
A necessidade do Brasil de arrecadar
mais do que gasta é um consenso entre os economistas. Mas ele discordam sobre a
melhor forma de fazê-lo. Haveria alternativas a um teto de 20 anos? Ele é a
melhor escolha?
Para Mascolo, do Insper, sim.
Ele diz que já era hora de focar nos
gastos do governo. Antes, a situação fiscal era analisada pelo superavit
primário (o quanto sobra nas contas para pagar os juros da dívida). Quanto
maior o resultado do superavit, melhor a situação fiscal.
"Finalmente o governo decidiu atacar
as despesas. A receita fica em aberto, mas a premissa é que a economia vai
crescer e você vai arrecadar mais."
Holandesa, a professora da FGV
Jolanda Battisti diz que o teto é uma referência de inovação e é aplicado em
países como Holanda, Finlândia e Suécia. No entanto, pondera, lá tem um prazo
de três ou quatro anos e é discutido nos ciclos eleitorais, promovendo debates
frequentes sobre as contas públicas. No Brasil, esse é um modelo que poderia
ser adotado, afirma.
Outra opção à PEC, segundo a professora
Cristina de Mello, seria reduzir as despesas com juros, que em 2015 ficaram em
R$ 367 bilhões. O número é o mais alto da série histórica da Secretaria do
Tesouro Nacional, iniciada em 2004.
Os juros são pagos para as pessoas
que compram títulos públicos, uma forma de investimento que serve para o
governo arrecadar dinheiro. Quando alguém compra um título, esse valor foi para
o governo. Em contrapartida, depois de um tempo, ele paga juros a essa pessoa,
o que representa o rendimento do papel.
"Esse gasto não está na PEC. A
Alemanha, por exemplo, tem uma dívida muito alta e o esforço que fizeram foi
diminuir as despesas com os juros, não com o bem-estar social."
Para Pedro Rossi, da Unicamp, o
aumento dos impostos seria uma forma de aumentar a arrecadação e melhorar as
contas. Ele diz que as grandes fortunas não são taxadas e, com a PEC, essa
discussão se perde. Rossi nega o argumento de que não haveria um clima
favorável para abordar a alta de impostos.
"Há um travamento do debate de
maneira autoritária. Você tem ambiente político para destruir gasto social, mas
não dá para rever carga tributária?"
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