Uma adolescente brasileira pede dicas pelo Twitter
para participar de um grupo ligado ao autodenominado Estado Islâmico (EI) no
aplicativo de mensagens Telegram. A resposta chega horas depois, publicada em
português por um perfil anônimo que escreve em árabe, turco e inglês:
"Clique neste link e entre em nosso canal."
Assim, com poucos cliques, a jovem e uma rede
invisível de brasileiros têm seu primeiro contato com grupos de propaganda
extremista recém-criados em língua portuguesa. Nestes ambientes, encontram
fotos, vídeos e textos religiosos publicados a cada 3h ou 4h - imagens de
cadáveres e decapitações são frequentes, intercaladas a homenagens a
"mártires" mortos em combate e a detalhes sobre territórios
conquistados pelo grupo no Oriente Médio.
"Aplicação de punição das chibatadas a um
adúltero solteiro no acampamento de Yarmouk", diz uma das postagens de um
dos grupos do EI no Telegram, vista por 123 seguidores. O texto é seguido por
um vídeo impublicável e fotos em alta resolução do rosto do homem espancado.
Outras publicações registram detalhes da guerra
pelo controle de territórios na Síria e no Iraque - tudo em português.
"Pela graça de Allah, os Soldados do Califado conseguiram destruir dois
veículos BMP e danificar um veículo Hummer, além de queimar dois quartéis das
aglomerações do exército da milícia Rafidi, matando todos que estavam lá
dentro."
Membros do EI divulgam vídeos, fotos e notícias em tempo real em grupos
online em português
Além dos grupos de propaganda, onde apenas os
administradores podem fazer postagens, o Telegram também hospeda "salas de
bate-papo" gerenciadas por membros do EI. É nestas últimas que
articulações práticas sobre ataques seriam realizadas, segundo agências
internacionais de inteligência que monitoram riscos de atos terroristas no
Brasil.
Na última quinta-feira, dez brasileiros
supostamente simpatizantes do extremismo foram presos pela Polícia Federal, sob
suspeita de planejar ataques na Olimpíada do Rio de Janeiro. Segundo o ministro
da Justiça, Alexandre de Moraes, os detidos estavam distribuídos em 10 Estados
e não se conheciam pessoalmente. Assim como os perfis mapeados pela reportagem,
eles se comunicavam por redes sociais - e alguns teriam feito um juramento de
lealdade ao EI.
"Aparentemente, era uma célula absolutamente
amadora, sem nenhum preparo", disse o ministro em entrevista coletiva no
fim da manhã de quinta-feira. De acordo com ele, a probabilidade de um ataque
na Olimpíada é "mínima".
Essa investigação identificou apenas brasileiros
envolvidos em supostas atividades preparatórias para ataques durante os Jogos.
No Twitter e no Telegram, entretanto, a maioria dos conteúdos extremistas
voltados ao Brasil é publicada por estrangeiros, que alimentam uma máquina de
"notícias positivas" sobre o Estado Islâmico, 24 horas por dia, sete
dias por semana.
DO TWITTER PARA O TELEGRAM
Entre todas as redes sociais pesquisadas pela
reportagem - Facebook, Twitter, Instagram e Telegram -, a principal porta de
entrada de brasileiros a páginas que exaltam o grupo extremista é o Twitter.
Dezenas de perfis efêmeros, sem fotos, excluídos e recriados diariamente,
exaltam atividades do Estado Islâmico e publicam links para notícias e
informações recentes ligadas ao grupo.
A forte estratégia midiática dos vídeos violentos
divulgados internacionalmente pelo EI - muitos feitos com equipamento de última
geração e efeitos especiais - também é notada, em menor escala, na atividade
voltada ao público brasileiro. Um dos perfis no Twitter, que se baseia na Síria
e publica seguidamente hashtags em português ligadas ao grupo, chama atenção
por uma enorme fotomontagem que mostra o Congresso Nacional, em Brasília, em
chamas.
Para especialistas consultados pela BBC Brasil, o
objetivo principal destes articuladores é popularizar o grupo entre pessoas que
vivem longe do Oriente Médio e estimular os chamados "lone wolves"
(lobos solitários, ou pessoas que simpatizam com ideias do grupo, mas não fazem
parte de sua estrutura formal) a entrarem em ação isoladamente em seus países.
Um importante artigo publicado em março do ano
passado ressalta a percepção sobre a importância do Twitter para os jihadistas.
Em The ISIS Twitter Census ("Censo do Estado Islâmico no Twitter", em
tradução livre), pesquisadores do Brooking Institute mapearam 46 mil contas
ligadas ao EI na rede social em 2014.
Segundo os autores, três em cada quatro dos perfis
usam o árabe como idioma principal; um em cada cinco preferem o inglês. A
grande maioria das contas mapeadas pelo estudo estava hospedada no Iraque, na
Síria e na Arábia Saudita. Houve poucos registros no Ocidente - 3 contas na
França, uma no Reino Unido, uma na Bélgica e, um detalhe que passou
despercebido na época, duas no Brasil.
"O uso da rede social visa espalhar propaganda
e recados para todo o mundo, além de pescar pessoas vulneráveis ao radicalismo",
diz o artigo, que destaca ser difícil identificar provas concretas de
recrutamento pelo microblog. "O recrutamento não é evidente no Twitter.
Ele acontece em ferramentas como Kik, WhatsApp e Skype, que são usadas de 'um
para um'. O que eles fazem publicamente no Twitter é pescar interessados."
No Brasil, segundo o governo e consultorias
internacionais de inteligência, o Telegram se tornou um dos principais espaços
para estas conversas "um a um". Mas quem são os brasileiros que
embarcam nestes bate-papos?
VULNERABILIDADE E ACEITAÇÃO
Os principais
alvos de recrutadores de organizações extremistas costumam ser jovens e membros
de setores mais vulneráveis da sociedade, explica o especialista Vladimir de
Paula Brito, agente da Polícia Federal e pesquisador do think tank Inasis (sigla em inglês para
Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência).
Segundo
ele, os aliciados normalmente se sentem excluídos socialmente e, ao se juntar a
grupos extremistas, mesmo que apenas virtualmente, se sentem valorizados em sua
nova microcomunidade. "Eles (aliciados) são atraídos pela possibilidade de
ser alguém naquele conjunto (comunidade formada por apoiadores dos
extremistas). Até o termo 'lobo solitário' soa como enaltecedor. Eles buscam
notoriedade, atenção", afirmou.
O
pesquisador afirmou ainda que a abordagem a novos adeptos é mais eficaz em
países europeus, onde o fator religioso está frequentemente relacionado a
situações de exclusão social de imigrantes. No Brasil, onde a radicalização
religiosa e o ressentimento relacionado à imigração ocorrem de maneira
distinta, o recrutamento seria mais difícil. "Mas aqui os recrutadores
podem canalizar outros discursos, como o da exclusão social".
À
BBC Brasil, Brito elogiou ação das autoridades na prisão dos suspeitos na
quinta-feira, mas ressaltou que o fato de aliciados e aliciadores não
precisarem mais se encontrar pessoalmente diminui a possibilidade de que sejam
identificados e presos.
Segundo
o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, o grupo detido pela Polícia Federal
era composto por homens entre 20 e 40 anos. Embora nascidos no Brasil, todos os
detidos usavam apelidos inspirados em nomes árabes. As autoridades, entretanto,
não forneceram detalhes sobre o perfil e as motivações dos suspeitos.
'AMEAÇA VEM DE FORA'
Para o português
Vasco da Cruz Amador, consultor de inteligência e segurança e CEO da agência
Global Risk Awareness, de Londres, os principais riscos aos Jogos Olímpicos no
Brasil "não vêm de dentro".
"A
principal ameaça que notamos acompanhando mais de cem grupos e páginas ligadas
ao EI no Telegram é externa, não interna", disse Amador à reportagem.
"A maior parte dos chamados para lobos solitários que interceptamos apela
para estrangeiros, e não para brasileiros", diz.
Dados
divulgados por agências como a Global Risk Awareness ou a SITE Intelligence
Group, dos Estados Unidos, mostram que o EI estaria usando as salas de
bate-papo do Telegram para convocar atos efetivos durante a Olimpíada.
Uma
das principais inovações seria o estímulo para que lobos solitários utilizem
drones com explosivos ou objetos pontiagudos. Entre os alvos principais
estariam delegações de Israel, Estados Unidos, França e Inglaterra.
Além
de oferecerem dicas para obtenção de vistos e passaportes, os extremistas
forneceriam instruções para a obtenção de armamento no Brasil - na tríplice
fronteira, no sul do país, ou em favelas cariocas. Lobos solitários
estrangeiros, segundo as agências, estariam sendo convocados a usar recursos como
sequestro, envenenamento e acidentes de trânsito durante os Jogos.
"As
prisões no Brasil por suposta ligação com planos de terror do Estado Islâmico
provam o amplo alcance do terror atualmente. Nenhum país onde exista internet
está imune", avaliou Rita Katz, diretora do SITE Inteligence Group, em sua
conta no Twitter.
MSN NOTÍCIAS
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